terça-feira, 29 de novembro de 2011

Vingança divina


Há escritores bons e ruins. Gosto de cada um. Há bons contadores de histórias, alguns adorados e outros odiados pela crítica. O americano Philip Roth é um contador de histórias que me agrada. E me agrada como me agradam os filmes dos irmãos Cohen, por exemplo. Fargo é um filme deles que traz muitas aproximações com a ficção de Roth. Explico.
O filme trata de algo trágico visto pelos olhos do cidadão comum – no caso, de uma policial quase idiotizada que divide suas preocupações entre crimes dignos de Tarantino, as idiossincrasias de sua gravidez e seu marido igualmente idiotizado. Nêmesis, de Philip Roth, vai no mesmo torque. Passado em 1944, o romance conta a história de um tomador de conta de pátios esportivos municipais, Bucky Cantor, às voltas com uma epidemia de poliomielite – doença de razões misteriosas à época – que assola uma comunidade judia de New Jersey.
Antes, adianto que em geral pouco me agrada a forma de narrar de muitos escritores de língua inglesa, com honrosíssimas exceções. Sua tendência a uma objetividade crua me afasta de suas narrativas – quem sabe por se aproximarem muito da forma de narrar dos best-sellers de estação. E Roth traz esta característica, mas me agrada.
Agrada, sobretudo neste Nêmesis, por aquela característica de contar a história sob o prisma do homem comum. O protagonista, clássico jovem “certinho” americano, à medida em que a epidemia de pólio vai se espalhando pelos adolescentes sob sua responsabilidade, vai purgando sua culpa pelas pouco menos de duzentas páginas da obra. Em determinado momento da narrativa, convidado por sua namorada, resolve abandonar aquela comunidade contagiada e trabalhar como supervisor de esportes numa colônia de férias encravada nas montanhas.
O que parece ser uma temporada de alívio, embora com repetidos flashbacks de sua culpa cravando solta, torna-se pesadelo: a pólio, dias depois de sua chegada, também chega ao acampamento paradisíaco de verão. A comparação com um dos contos mais famosos de Edgard Allan Poe, A máscara da morte rubra, surge como inevitável. No conto de Poe, uma praga fatal e hedionda assola o país. O príncipe Próspero, ao ver que a população havia se reduzido à metade, elegeu um milhar de cidadãos sortudos para viverem reclusos e felizes dentro de seu castelo, supostamente isolando-se do contágio. No entanto, durante um glamouroso baile de máscaras dado pelo príncipe a seus convidados, batem doze badaladas e adentra o salão uma figura bizarra, que ao final é revelada como a morte rubra encarnada. Todos morrem.
Igualmente no romance de Roth há um movimento de reclusão. Nas montanhas. E há a morte, encarnada supostamente no próprio Cantor, que surge como um vetor involuntário da doença.
Para finalizar, o título: Nêmesis. Bastante apropriado. Nêmesis era deusa grega que figurava a vingança divina, o que nos remete às questões do protagonista de Philip Roth, quando ele questiona a bondade de um deus que indistintamente aniquila seus cordeiros, pratiquem ou não o bem.
Mesmo que por vezes a narrativa tropece em algumas repetições ou em longos diálogos internos do protagonista, alguns desnecessários, mesmo com essas arestas que poderiam ser cortadas, o romance agrada ao leitor que gosta de livros devoráveis em dois ou quatro dias. Entretenimento? Sim, Dos bons.

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