O número 70 da revista Cult trouxe Paulo Coelho na capa. Lembro disso, pois foi um choque ver Paulo Coelho numa revista tão... cult quanto a Cult. Puro preconceito. Dentro, uma entrevista exclusiva e uma análise do “Onze minutos”, livro do mago brasileiro recém-lançado à época. Algum desavisado perguntaria: sinal dos tempos? A crítica, enfim, estaria se rendendo ao mago vendedor de 54 milhões de exemplares no mundo todo? Bom, achei que seria interessante que o tema da coluna dessa semana fosse Paulo Coelho, e o que ele representa em termos de mercado literário e editorial. Porque, sem levantar poeira, não se chega a lugar algum.
Um dado que não pode ser deixado de lado, quando se fala que a crítica não engole Paulo Coelho, é que um sujeito do quilate de Umberto Eco elogiou o “Veronika decide morrer”, livro do mago editado em 1998. Isso foi numa revista alemã com nome cheio de consoantes – portanto não me peçam para citá-la aqui.
Ok, sabemos também que Mr. Rabbit escolhe a dedo seus tradutores – que invariavelmente são no mínimo bons poetas da língua-alvo. Isso – uma tradução potente, que enalteça qualquer detalhe do original – potencializa qualquer material literário. O oposto, por exemplo, seria lamentável: imagine-se uma tradução bem vagabundinha de um belo livro, como o “Angústia”, do Graciliano, por exemplo. Certamente o resultado seria horrível, com uma recepção tão pífia quanto.
Isto tudo posto, será que é tão unânime assim o fato de que Paulo Coelho não presta e de que só os críticos verdadeiramente sabem o que pode ser classificado como Literatura, assim mesmo, com L maiúsculo?
Na mesma linha literária de Paulo Coelho, a que privilegia acima de tudo o entretenimento do público leitor, há outro escritor brasileiro que vem lançando livros que vendem bem, só que na vertente do terror. É paulista e se chama André Vianco. Bons livros de terror escritos por um brasileiro? Desconheço antecedentes que mereçam referência. Vianco, assim, preenche uma lacuna na literatura de terror produzida por brasileiros, o que já é louvável por si só.
Já que às vezes é necessário rotular coisas, tudo bem, vamos rotulá-las. Chamemos a Literatura de escritores como Paulo Coelho e André Vianco de Literatura de Entretenimento e, numa outra ponta, a praticada por Graciliano, por exemplo, de Literatura de Prospecção, já que é aí que acontece a pesquisa de novas formas de abordagem do real, do ficcional e tal.
Antes, diga-se que esta divisão é horizontal – nunca vertical. Portanto, não há uma literatura melhor que a outra. Há, sim, diferenças nas abordagens envolvendo personagens e situações.
Não podemos nos esquecer de que uma obra literária é feita para chegar às pessoas. E Paulo Coelho e André Vianco, aqui colocados como escritores brasileiros que, mesmo preterindo pontadas de originalidade e ousadia chegam ao seu público, conseguem fazer juntos com que, de uma forma ou de outra, sem nenhum exagero, milhões de brasileiros leiam seus livros. Só isso já seria motivo para olharmos para eles de forma diferente: mesmo que se possa concluir que a qualidade passa longe do que se julgou correto chamar de Literatura, escritores que colocam tantos leitores se interessando por sua obra assumem um papel importantíssimo na formação de um público leitor.
A Literatura de Entretenimento, portanto, pode ensinar como se chegar ao leitor.
Se eu gosto do Paulo Coelho, vocês (meus cinco leitores, com sorte) devem estar perguntando. Não. Mas também não gosto de beterraba, mesmo sabendo que ela é útil para algo em meu corpo. Porque contém ferro, sei lá.
O que eu vejo é que há bons escritores de Literatura de Prospecção sendo editados no Brasil, sim. Só que esses escritores, não esquecendo sua qualidade literária ou até encantados por ela, não conseguem encantar o leitor. Talvez lhes falte um pouco de humildade para ler o coração do seu leitor que, em última análise, e ao contrário do que imaginam alguns críticos, é o que é de fato importante? O alvo de todo artista deve ser seu público, pois não? Então, proponho que escritores aprendam com escritores. Uns, a ousar um pouco mais, aprofundar mais seus personagens. Outros, a tentar chegar mais perto do seu público leitor. O objetivo? O prazer da leitura. Com qualidade.
Isso, sim, pode significar um mercado editorial satisfeito, reciclando-se. Leitores satisfeitos por terem bons (e maus) livros à sua disposição e por preços mais em conta. Escritores satisfeitos por terem sempre um mercado azeitado e ansioso por novos títulos e, acima de tudo, por saberem que suas obras são lidas por milhares de pessoas.
Para finalizar, uma velha piada sobre escritores dizia que um dia um escritor morre e vai para o além. Ao chegar lá, um anjo lhe apresenta o inferno e o céu. O primeiro é uma sala com milhares de mesas, computadores e pessoas fumando, tomando café, bebendo, tendo bloqueios criativos e se descabelando para escrever. O segundo é idêntico. Indagada pelo escritor, a criatura alada responde: “é que no céu estão os escritores publicados”.