Vivo dizendo que minha adolescência foi marcada por um
compasso de espera no mínimo luxuoso: esperávamos e juntávamos dinheiro para,
no final do ano, escolher os LPs de quem íamos comprar. Isso porque
invariavelmente tínhamos à disposição lançamentos de artistas como Milton
Nascimento, Chico Buarque, Caetano, Gil, João Bosco, Ivan Lins, Betânia, Gal
etc. Como a grana era curta, escolhíamos um ou dois, sempre combinando com
aquele melhor amigo para comprarmos de artistas diferentes, de modo a que a
“turma expandida” tivesse, no final das contas, todos os lançamentos do ano.
Isso tudo pra falar do Chico. O Buarque. Além de uma
referência estética e artística de minha geração (to indo pro 50), o moço de
olhos claros dava o tom do embate político. Não que o Chico fosse um artista
que tivesse produzido apenas sob a ditadura, como muitos outros. De forma
alguma. Discos recentes dele, bem como seus romances, desmentem tal bobagem. O
Chico é artistão, e ponto.
Surpreendente na simplicidade também.
Já pensou com calma nesse verso do Chico? Ó só: “Na
fotografia estamos felizes”.
Simples, não. Pois é. Versinho besta que traz muito mais do
que aparenta trazer. Primeiro: é verso da belíssima “Anos Dourados” (vide
http://letras.terra.com.br/chico-buarque/45107/). A canção trata de uma mulher
casada (e supostamente infeliz) voltando os olhos para o tempo em que se
apaixonou por seu (ex?) marido. Nesse contexto, o verso daí de cima diz o quê,
subentendido? Estamos felizes naquele passado. Outra: o Chico usou o verso
estar (associado à transitoriedade), não o verbo ser (associado à essência).
Sou doido por esse moço. Aliás, minha filha de quatro anos
já declarou que quando crescer quer se casar com o Chico. Acho que, além dela,
noventa e tantos por cento das brasileiras. Mas isso é outro assunto...
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