segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Perenidades


A diferença entre uma obra literária que atravessa séculos e aquela outra que se presta apenas a ter boa tiragem de vendas está só na qualidade intrínseca da obra ou há variantes neste processo? De que derme se veste a obra-prima e o que falta para a obra ordinária transformar-se em algo imune à passagem do tempo, tornando-se aos poucos parte de um inconsciente coletivo literário?
Quando se fala em prosa de ficção, ficamos diante de duas escolhas básicas, no momento da criação: optamos por privilegiar construções internas e estruturais (personagem, motivações internas da história) ou, exteriores à obra, fatores de atração do público leitor médio (a trama, a trama sendo maior que qualquer personagem ou emoção).
(Por favor, não digam que eu afirmei que não há forma intermediária entre as duas mencionadas. De sombras e penumbras vive a ficção, não só do preto e do branco.)
Os livros de suspense, via de regra, optam pela segunda alternativa e, por isso mesmo, na maior parte das vezes são crivados de balas pela crítica, que os vê como um tipo de literatura mais baixa, rala, fraca. Em alguns casos, concordo com a crítica. Há péssimo suspense em cada esquina. O que seria um péssimo suspense, perguntaria um desavisado. Péssimo suspense é aquele criado com situações e personagens em que não se acredita por serem irreais, afastados demais do humano, do comum. Deixemos os super heróis para a DC Comics, por favor.
Há, por outro lado, livros de suspense em que as características humanas dos personagens, suas motivações e desejos são explorados e aprofundados. Esses são belas obras do suspense. Aqui podemos encaixar (filtrando: só brasileiros contemporâneos) Rubem Fonseca; sua cria literária, Patrícia Melo, e; García-Roza, um professor de filosofia e psicologia que resolveu escrever suspense e deu certo, muito certo. Um filtro, como qualquer escolha, passível de críticas. Mas trata-se de um filtro apenas – não uma verdade.
Tive a oportunidade de ler em sequência alguns livros de García-Roza, o que foi uma surpresa deliciosa. São ambientados no Rio de Janeiro e, que me lembre sem exceção, mais amiúde em Copacabana. Suspense, à semelhança do bairro mencionado, mais caracteristicamente brasileiro impossível.
O detetive de García-Roza é um delegado, por volta dos 45 anos, que sonha em se aposentar e montar um sebo em Copacabana. Essa já é uma característica que o difere sobremaneira dos detetives do gênero, que normalmente decoram o texto do machudo, durão e gostosão das mulheres. Além disso que nome um ex-professor de filosofia daria ao detetive de suas histórias? Espinoza, é claro!
O detetive Espinoza, então, mostra-se como um personagem em que o leitor acredita, por ser verdadeiro. Por ser humano. Por ter desejos. Por não ser um mascador de pirulitos ou viver com uma pistola linda e prateada colada à mão. Na verdade, ele tem na sala de seu apartamento, num sub-bairro de Copacabana chamado Bairro Peixoto, uma pilha de livros que, separado e com uma filha que quase nunca comparece na trama, deixou ir acumulando e depois de alguns anos transformou-se em algo parecido com um móvel, uma estante gaudiana pouco planejada, sempre ameaçada de despencar no carpete da sala antiga. O personagem é um cara comum, portanto.
Hoje, os escritores pertencentes à trindade mencionada (Roza, Melo e Fonseca) já são conhecidos fora do Brasil como bons produtores de literatura de bom suspense. Torço para que este número, de escritores brasileiros conhecidos no exterior, seja em que seara for, sempre aumente.
Torcemos todos, creio.

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