Quando eu era adolescente (e nisso lá se vão alguns
anos), o final do ano era de espera. Era a época em que a leva de compositores
mais fantástica que este país já teve lançava seus LPs (para quem não sabe, uns
CDs enormes em que cabiam menos músicas, mas que tinham um charme insuperável).
Era uma turma bacaninha, no mínimo: Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano e
Gil. A espera, na maioria das vezes, valia. Juntávamos granas recolhidas ao
longo do ano para termos a possibilidade de comprar os bolachões
recém-lançados.
Fui transitando por minhas paixões, e não só na seara da
música: João Bosco, Mario Vargas Llosa, Rubem Fonseca, José Saramago.
Ultimamente, um escritor que me deixa num estado parecido de contemplação é o
Ian McEwan. Trata-se de um britânico nascido em 1948 e que escreve romances
memoráveis. Dele destaco "Na praia", por exemplo, e
"Reparação", que foi (muito bem) adaptado para o cinema, com o título
"Desejo e reparação": se vir este DVD na locadora mais próxima, não
deixe escapar. “Na praia” é um pequeno relato de um casal em lua-de-mel. Casal
tido como atual, só que marcado por preceitos e preconceitos vitorianos, o que
ajuda o escritor a construir um painel de contradições insuperável.
Agora, o sujeito lançou um novo romance:
"Solar". Conta a história de Michael Beard, um sujeito que, vinte
anos atrás, ganhou o Nobel pela descoberta da Coflação, um negócio que eu deixo
para vocês entenderem nas palavras do próprio McEwan, que fez uma pesquisa
porreta na área. Do prêmio para cá, o personagem se transformou num pária da
ciência: gordo, desleixado, pouco se importando com o futuro do planeta, área
em que foi notabilizado pelo Nobel.
O livro tem de tudo um pouco: adultério, morte, ameaças.
Lido assim, parece resenha de produto de um Sidney Sheldon, o que não fala a
verdade a respeito do romance. Além de extremamente bem escrito, nele o autor
desfia toda sua capacidade de contador de histórias e de prospector da alma dos
homens. Sobretudo dos homens mais canalhas que você puder imaginar.
O final é magistral, a cena que encerra o livro é digna
de eternização em museu de cera, sei lá.
O escritor está entre os "grandes" da
literatura contemporânea, e não à toa.
Se puder, leia.
O Mario
Sempre emocionante quando fala de literatura. Sempre
empolgante quando se refere ao potencial transformador da literatura. Sempre
apaixonado por seu ofício, Mario Vargas Llosa e seus períodos imensos cheios de
retornos abarrocados, além de ter sido um dos escritores mais lidos e relidos
por mim, ainda é um dos intelectuais mais apaixonantes e polêmicos, sobretudo
quando se repassa sua trajetória pessoal e política. Dele, li e reli Conversa
na Catedral, meu preferido, livro de formação fundamental para que me
apaixonasse definitivamente pela literatura como matéria de uso, de trabalho e
de vida.
Do Mario destaco um trecho, retirado de artigo seu
publicado na revista Piauí:
“A ciência e a técnica não podem mais cumprir aquela
função cultural integradora em nosso tempo, precisamente pela infinita riqueza
de conhecimentos e da rapidez de sua evolução que levou à especialização e ao
uso de vocabulários herméticos.
A literatura, ao contrário, diferentemente da ciência e
da técnica, é, foi e continuará sendo, enquanto existir, um desses
denominadores comuns da experiência humana, graças ao qual os seres vivos se
reconhecem e dialogam, independentemente de quão distintas sejam suas ocupações
e seus desígnios vitais, as geografias, as circunstâncias em que se encontram e
as conjunturas históricas que lhes determinam o horizonte. Nós, leitores de
Cervantes ou de Shakespeare, de Dante ou de Tolstoi, nos sentimos membros da
mesma espécie porque, nas obras que eles criaram, aprendemos aquilo que
partilhamos como seres humanos, o que permanece em todos nós além do amplo leque
de diferenças que nos separam.”
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